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terça-feira, 20 de abril de 2010

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Ao reler o momento em que nasceste – o caderno andou perdido na gaveta dos rascunhos – reparo que não te conheço. Dizes-me que não faça tantas perguntas. Que te siga, como nos sonhos seguimos os nossos medos. Sigo-te porque és uma força, um instinto. Sigo-te porque basta que te siga.
Choca-me que não sejas ainda um mistério. Pergunto-te porque me contas todas essas coisas, humanas ou imaginadas, e dizes: estou só, tremendamente só. E a solidão faz-te perder a altivez do secretismo. Tu não mo dizes – seria contra a tua natureza dizê-lo – mas sei que tudo o que me contas, contas inventado espelhos, contornando e compreendendo o teu reflexo neles. Procuras justificar-te, legitimar um nome, uma vida, algum momento do passado que está quase sempre presente.
É inevitável, desculpas-te com um desdenhoso encolher de ombros, é o que acontece aos que são tímidos, aos que são arrogantes, aos que são ambas as coisas – perdem a dignidade tão inadvertida e visivelmente quanto os velhos perdem os dentes.
Tens pena de ti?, pergunto. A auto compaixão é um tabu, respondes, e isso diz tudo da frequência com que a sentimos. É odioso esse grau de constrangimento pelo próprio, digo, essa obstinação envergonhada em encontrar a metade perdida de si. Irrita-te a minha obsessão com a dignidade – dizes que a dignidade é a primeira parede a cair, em caso de ventania.
Tens razão. Sei que posso, que devo seguir-te. És infalível como uma estrela.

 Anderson Ramos



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